De maneira inédita no país, num evento aberto exclusivamente a mulheres, mais de duzentas profissionais do mercado marítimo se reuniram para debater os desafios e o combate ao assédio no ambiente de trabalho. Presencialmente, no Rio de Janeiro, e on-line, elas participaram do “Horizontes Femininos”, o primeiro fórum brasileiro a oferecer um espaço para as vozes femininas da navegação. Mulheres das Marinhas Mercante e de Guerra compartilharam experiências durante o encontro que aconteceu no último dia 10, no Teatro Adolpho Bloch.
O evento contou com a participação de representantes de diversas áreas e cargos, como comandantes de embarcações, oficiais de máquinas, executivas de grandes companhias, diretoras da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e outras profissionais associadas ao suporte das operações marítimas e portuárias.
O Horizontes Femininos foi uma correalização da Norsul com a WISTA BRAZIL, associação que busca promover a equidade de gênero no setor da indústria marítima. Na abertura, foram citados dados de uma pesquisa global do LinkedIn, que mostra: uma em cada seis mulheres pede demissão por conta de assédio em suas áreas; 35% vivem sob constante medo; e 30% sentem falta de confiança em si e nos outros. Aline Carvalho, gerente executiva da área de Gente e Gestão da Norsul, foi a mediadora dos painéis e mestre de cerimônias.
O primeiro painel do Horizontes Femininos, com o tema “Assédio e seus impactos na carreira da Mulher”, foi apresentado por Maíra Liguori, diretora na consultoria Think Eva e na ONG Think Olga, especializada em equidade de gênero, há dez anos referência no combate ao assédio sexual. Em sua fala, Maíra explicou que hoje já existe a lei 14.457/22, que obriga as empresas privadas a tomarem parte no combate ao assédio, mantendo vigilância, monitoramento, criando um canal de denúncia, um RH mais empático, entre outras ações, inclusive educacionais, com objetivo de tornar o ambiente mais confortável, seguro e inclusivo para as mulheres.
A consultora também comemorou a existência da lei e explica que é imperativo o posicionamento das companhias, pois uma pessoa que é treinada no ambiente do trabalho passa a ter um novo olhar na sociedade, tanto para o assédio sexual quanto moral.
“Assédio moral é um exercício de poder e ele acontece de três formas: vertical, com diferença de posições hierárquicas, usualmente a mulher sendo subordinada a um homem; horizontal, entre colegas de trabalho, e misto. Importante dizer que a habitualidade da conduta e a intencionalidade são indispensáveis para se caracterizar como assédio moral”, reforça Maíra, destacando que este não é um problema meramente individual, ou político, de esquerda ou de direita: “é um problema de gênero e reproduz práticas enraizadas na sociedade”.
Já o assédio sexual, explicou, tem origem na chantagem e na intimidação. “Consentimento é a palavra-chave para definir o que é assédio. Como mulheres, precisamos aprender a consentir e a não consentir. Não fomos ensinadas a dizer que não queremos que falem conosco desta ou daquela maneira. Não nos ensinaram a nos posicionar de forma firme”, destaca.
A pesquisa global do LinkedIn apresentou que 47% das mulheres no mercado de trabalho sofrem assédio e apenas 5% denunciam. “Romper com o ciclo do assédio é responsabilidade de todos. Não queremos privilégios, queremos direitos e oportunidades na mesma proporção que os homens”, diz a diretora da consultoria Think Eva, que finaliza: “Não podemos falar de assédio, sem falar de raça. Mulheres negras sofrem ainda mais assédio do que mulheres brancas. Precisamos nos posicionar, reagir e denunciar”.
O painel seguinte do Horizontes Femininos contou com a presença de Flávia Takafashi, diretora da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), juntamente com Luciana Suman, chefe de máquinas e diretora de relacionamento institucional da WISTA Brazil, para falar sobre o “Guia de Enfrentamento ao Assédio no setor Aquaviário”. A iniciativa é conjunta do Ministério dos Portos e Aeroportos (MPor) e da ANTAQ, elaborada em parceria com a WISTA Brazil e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Guia é um manual de boas práticas para combater o assédio contra mulheres que trabalham nos portos e na navegação brasileira.
Flávia Takafashi explicou que a ideia nasceu de uma apresentação que a WISTA Brazil fez para a ANTAQ como um acordo de cooperação, para falar sobre a participação de mulheres do setor. Assim surgiu a primeira entrega com a parceria: uma pesquisa, realizada em março de 2023, que descobriu que apenas 17% da força de trabalho do setor aquaviário é de mulheres. Desse total, apenas 16,7% estão em cargos executivos, 22,5% em cargos de gerência e 16,4% em cargos operacionais.
“Foram cerca de quatro a cinco meses falando sobre o tema assédio, buscando indicadores e estruturando a criação do projeto do Guia, que incluiu roda de conversas e oficinas. Pela primeira vez, o tema está sendo tratado de forma sistêmica. É claro que ele é voltado para o setor aquaviário, mas entendemos o guia como uma ferramenta de Estado, onde falamos sobre pessoas e ajudamos mulheres de um modo geral. Estamos muito orgulhosos do trabalho que realizamos”, concluiu Flávia.
No último debate do dia, o Horizontes Femininos contou com a participação de mulheres do setor aquaviário — de diversas áreas e cargos — para falar sobre temas como empoderamento feminino, liderança, diversidade, maternidade, carreira e assédio, além do preconceito que ainda existe neste mercado para com as mulheres e a evolução da presença feminina em um setor majoritariamente masculino. Entre aquelas que se dispuseram a compartilhar suas perspectivas inspiradoras sobre superação, estão: Veridiany Silva, condutora de máquinas e autora do livro “Muito Além do Abuso: O Renascer de uma História”; Fabiana Durant, capitã de longo curso e diretora no Centro de Capitães da Marinha Mercante, embaixadora de IMO no Brasil, além de líder da gerência de operações Ship-to-Ship no Porto Sudeste do Brasil, na Baía de Sepetiba; e a eletricista Cristiane dos Santos, que administra o grupo Mulheres Aquaviárias e que tem experiência em projetos navais, entre outras.
No fórum, elas foram questionadas sobre os maiores desafios que já enfrentaram em suas carreiras, e algumas respostas aparecem com frequência em pesquisas, não importando o setor ou a área daquele grupo de pessoas. Entre os principais temas que trouxeram e que mais as incomodam, estão: a dúvida de colegas ou líderes homens, se vão dar conta do trabalho; como conciliar a carreira e a maternidade; medo de ser assediada, já que, muitas vezes, embarcam para passar semanas no mar e são a única mulher a bordo nos navios. “O assédio paralisa. Já me escondi debaixo da cama, dentro de camarotes, por medo de sofrer algum tipo de abuso”, contou uma delas.
Quando questionadas sobre qual poderia ser a solução para cada um dos temas apresentados, cada uma levantou uma perspectiva diferente. Olhar mais humanizado para o desenvolvimento de pessoas; a não repetição de padrões; buscar mais exemplos de representatividade; sororidade; educação de berço; plantar a semente, divulgar o tema; união; currículos serem analisados sem nome ou gênero; permitir a adaptação no mercado, como banheiros femininos em embarcações pequenas; compartilhar suas próprias histórias para construir exemplos, entre outros. “Quando temos voz, alcançamos outras mulheres. Inspiramos e as colocamos em locais de liderança” foi uma mensagem de todas as presentes.
Como encerramento para o público que acompanhou o Horizontes Femininos, as mulheres demonstraram o interesse em fazer crescer a iniciativa, lançar novos encontros, estimular que mais empresas apoiem o tema. “Dada a potência e impacto, reforçando a relevância de colaboração entre as empresas do setor, queremos seguir mobilizando as mulheres do mercado com momentos de profunda reflexão, em breve, com novos encontros onde poderemos juntas debater caminhos, propor e comprometermo-nos com ações. Queremos fazer com que esta pauta seja recorrente, contando com o protagonismo de tantas mulheres com vontade de impactar o mundo”, destacou Aline Carvalho.
“Esta primeira edição do ‘Horizontes Femininos’ nos deixou muito orgulhosas, ao testificarmos a força a coragem da mulher no setor aquaviário. Não iremos parar por aí. Juntas, podemos fazer muito!”, finalizou Priscila Lopez, gerente da área de Desenvolvimento e Comunicação da Norsul.
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